Formação de professores inova em formatos de conteúdo no ensino de português
Experiência formativa da licenciatura em Letras da Unisinos amplia e diversifica os gêneros textuais abordados no ensino de português.
Luanne Caires
18/07/2024 22:15:42
Projetos didáticos de gênero são ferramenta para diversificar as abordagens textuais na educação básica e inserir estudantes em práticas múltiplas de letramento
Por Luanne Caires
Imagine estar em um curso de formação de professores, mas não poder visitar uma escola ou entrar em uma sala de aula. Em uma situação que desafia a ocupação tradicional dos espaços de ensino, novos vínculos precisaram ser acionados nas licenciaturas de todo o Brasil. Em São Leopoldo, cidade da região metropolitana de Porto Alegre (RS), uma turma de licenciatura em Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) utilizou a diversidade de gêneros textuais para promover a socialização profissional de futuros professores e engajar estudantes em práticas de leitura e escrita. A iniciativa foi desenvolvida durante a pandemia de covid-19 e é uma das vencedoras da 12ª edição doPrêmio Professor Rubens Murillo Marques. Coordenada pelo docente Anderson Carnin na disciplina Laboratório de Ensino de Língua Portuguesa, a experiênciaPráticas de ensino de língua portuguesa em tempos de covid-19: universidade e escola em diálogonasceu da necessidade de os licenciandos realizarem 36 horas práticas, no mínimo, em sala de aula, entre atividades de observação e de produção de um projeto de ensino. A suspensão de aulas presenciais no primeiro semestre de 2020 fez Anderson e seus alunos recorrerem às ferramentas digitais e explorarem gêneros que, até então, eram pouco utilizados nas escolas. A intenção era se aproximar de formatos compatíveis com o universo on-line do ensino remoto emergencial e que fizessem parte da rotina dos jovens licenciandos e dos estudantes da educação básica. Escolhas conscientes de novas possibilidades Entre os diversos formatos utilizados, como podcasts, playlists comentadas e vídeo-resenhas, a iniciativa incluiu os gênerosDraw My Life(Desenhe Minha Vida) eslam. O primeiro propõe que as pessoas descrevam aspectos de sua vida por meio de desenhos em um fundo branco. O processo de desenhar é filmado e transformado em vídeo narrado. O gênero, que é recente, surgiu em 2013, quando o youtuber inglês Sam Pepper, então com 25 anos, fez o primeiroDraw My Lifeem seu canal. Já oslamé uma poesia falada criada nos Estados Unidos na década de 1980 e que tem ganhado espaço em comunidades periféricas brasileiras.As escolhas para os trabalhos em sala de aula foram pautadas por reflexões sobre aBase Nacional Comum Curricular(BNCC)e oReferencial Curricular Gaúcho: Linguagens. A análise dos documentos oficiais ao longo da disciplina estimula que os futuros professores compreendam a organização de marcos legais na educação, suas possibilidades e limitações. “Onde está acontecendo a aula de português quando se está trabalhando com um gênero como oslam, que não necessariamente utiliza a norma padrão para ser construído? Então ele rompe com aquela ideia de que a aula de português é a aula só de regras, de prescrição. E na BNCC eu encontro argumentos para fazer isso”, explica o docente. Reconhecimento de saberesOutro aspecto inovador para a disciplina laboratório foi trazer professoras da educação básica para as aulas da licenciatura. Antes da pandemia, o espaço de troca entre licenciandos e professores ficava restrito às escolas onde as atividades de observação eram desenvolvidas. Na universidade, Anderson conta que a presença de professores da educação básica se concentrava em cursos de formação continuada, mas que não incluía ações sistemáticas com a graduação. Para o docente, a mudança foi fundamental para que as professoras acostumadas a abrir as portas de suas salas para os licenciandos também se sentissem ouvidas, valorizadas e reconhecidas em seus saberes: “Elas são protagonistas desse processo junto com a gente, e não só alguém que recebe os estagiários em suas turmas. Isso permite adaptar uma metodologia de ensino e de formação docente baseada nas realidades que elas nos trazem e no diálogo sobre isso com todos os envolvidos. E aí, com todo mundo olhando para aquilo, não quer dizer que a gente ache a solução perfeita, mas enxerga mais ângulos e, de repente, consiga avançar”. O Prêmio Professor Rubens Murillo Marques também reforça o sentimento de reconhecimento para os participantes da iniciativa ao dar visibilidade nacional ao trabalho e ampliar o diálogo com experiências de outros locais. “A universidade, a região em que a gente está inserido, se reconhece, a partir desse prêmio, como um lugar que produz um conhecimento importante desse ponto de vista e, ao mesmo tempo, isso mostra que essas experiências locais não são assim tão regionais ou tão situadas num sentido de que não podem dialogar com outros contextos”, destaca Anderson. A importância do financiamentoA construção da experiência formativa, além de contribuir diretamente para o ensino, também se relaciona às atividades de pesquisa. A metodologia dos projetos didáticos de gênero foi desenvolvida pelas professoras Ana Guimarães e Dorotea Kersch, da Unisinos, a partir de um projeto de 2010, realizado em parceria com a rede municipal de Nova Hamburgo e financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Observatório da Educação. Desde então, o projeto se desdobrou em várias outras pesquisas, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). Segundo Anderson, o financiamento em pesquisas e experiências educacionais, como o promovido pela Fundação Carlos Chagas, é indispensável para o desenvolvimento de boas iniciativas na educação básica. “Dá resultado. Os alunos aprendem, os professores se desenvolvem e tudo isso passa por ter uma pesquisa, um trabalho continuado. E sem fomento é muito mais difícil”, complementa o docente.Saiba mais13ª edição do Prêmio Professor Rubens Murillo MarquesEm 2023, o Prêmio Professor Rubens Murillo Marques dá continuidade ao seu objetivo de valorizar e divulgar experiências educativas, propostas e realizadas por docentes dos cursos de Licenciatura na formação de professores para a educação básica. Os autores dos trabalhos premiados serão agraciados com diploma e troféu (réplica de escultura da artista plástica Vera Lucia Richter) e prêmio de R$ 30 mil. Além disso, o detalhamento de cada experiência será publicado na Série Textos FCC.Inscrições: até 12 de junhoMais informações:https://www.fcc.org.br/fcc/premios/premio-professor-rubens-murillo-marques/