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Tese sobre desigualdades no acesso ao ensino superior brasileiro aponta que o mérito importa, mas nem sempre

Pesquisa conclui que mérito importa, mas nem sempre, e que esse acesso desigual ao ensino superior predomina em instituições privadas

Autor- Luanne Caires,Prêmio Prof. Rubens Murillo Marques -18/07/2024 21:15:41
A quantidade de jovens matriculados no ensino superior brasileiro mais do que triplicou nas últimas três décadas. De 1,8 milhão de matrículas em 1995, o país passou para 8,6 milhões em 2019, segundo dados do Censo do Ensino Superior. A mudança não foi apenas em números: o perfil dos estudantes também se diversificou com a adoção de políticas inclusivas nos setores público e privado. Investigar as transformações no acesso ao ensino superior durante esse período foi o objetivo do doutorado do pesquisadorAdriano Senkevics, vencedor do Prêmio CAPES de Tese 2022 como autor da melhor tese na área de Educação, do Grande Prêmio Carmen Portinho, de Humanidades, e de um prêmio adicional da Fundação Carlos Chagas, parceira da iniciativa nas áreas de Educação e Ensino.No trabalho, Adriano analisou dados de diferentes bases educacionais para compor um retrato que mostra desde as grandes tendências nacionais de oferta e demanda para o ensino superior até a realidade de um conjunto de jovens vestibulandos em cursos pré-vestibulares comunitários do Distrito Federal. A tese foi desenvolvida no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), com orientação da professora Marília Pinto de Carvalho. Os efeitos do mérito e do berçoUm dos principais feitos do estudo é trazer evidências estatísticas de que a origem social e o desempenho interagem para determinar o futuro dos jovens na transição entre o ensino médio e o ensino superior. Para entender a contribuição desses fatores sobre a trajetória educacional, o pesquisador montou uma base inédita de dados, por meio do cruzamento de bases clássicas, como o Censo da Educação Básica, o Censo da Educação Superior e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nesse cruzamento, as trajetórias de mais de um milhão de jovens que se formaram no ensino médio em 2012 foram acompanhadas por cinco anos, para determinar quais deles fizeram o Enem e ingressaram no ensino superior no período. O conjunto de jovens foi definido a partir do Censo da Educação Básica de 2012, considerando aqueles com idade entre 16 e 22 anos que fizeram alguma edição do Enem entre 2012 e 2016. A chave utilizada no rastreamento foi o cadastro de pessoa física (CPF).Os resultados indicam que a maior parte das desigualdades de acesso ao ensino superior está relacionada às condições socioeconômicas das famílias, medidas pela renda per capita do domicílio, e com o tipo de instituição de ensino. Mais da metade (51,9%) dos jovens pertencentes aos 20% mais pobres da amostra não ingressam no ensino superior, em contraposição a 7,7% dos 20% mais ricos. Quando ingressam, jovens ricos e pobres com o mesmo desempenho têm probabilidades parecidas de ingressar em uma universidade pública, mas chances diferentes de ingressar em uma graduação privada: entre os 20% mais pobres, a chance de ingresso nunca ultrapassa 50%, mesmo com boas notas no Enem, enquanto entre os 20% mais ricos mais da metade dos jovens ingressam independentemente do desempenho. Nas universidades públicas, a nota é um bom preditor do acesso e Adriano ressalta o papel doSistema de Seleção Unificada (SiSU)como um dos mecanismos que facilitam que jovens de origem socioeconômica menos privilegiada tenham maior controle sobre o ingresso em instituições que utilizam esse sistema: “É uma ferramenta em que todos os candidatos que se cadastram ali têm muita informação sobre o processo seletivo. Eles sabem quais são os cursos existentes em todo o Brasil, qual é a nota que eles têm, qual é a nota necessária para entrar, e podem simular.  Então isso garante muita eficiência nessa alocação e, com o sistema de cotas que age junto, você também garante a equidade”.No caso das instituições privadas, no centro das diferenças está o que o pesquisador chama na tese de “vantagens compensatórias”. Os estudantes mais ricos se beneficiam duplamente, uma vez que a condição socioeconômica privilegiada tende a lhes garantir uma trajetória escolar com recursos para um melhor desempenho e também funciona como uma salvaguarda que permite o pagamento de mensalidades na rede privada de ensino superior, no caso de baixo desempenho em processos seletivos mais concorridos. Para Adriano, o desafio para as políticas públicas é garantir que os jovens permaneçam na escola e terminem a educação básica sem defasagem. “Nas privadas, a gente tem que atacar outras políticas que vão penalizar os jovens mais pobres mesmo quando eles têm um desempenho elevado. Então o financiamento da matrícula por programas de bolsa estudantil e programas de crédito estudantil, oProuni e o FIES, respectivamente, são ferramentas que, se bem administradas, são fundamentais. Mas a gente também tem que repensar a expansão do ensino superior brasileiro nos próximos anos e reduzir o papel que o setor privado tem nessa oferta”, complementa. Atualmente, as instituições de ensino superior privadas no Brasil, especialmente as de caráter comercial, respondem por mais de 70% da oferta de vagas, segundo aSinopse Estatística da Educação Superior2021 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). As histórias por trás dos dadosA utilização de uma metodologia mista na tese de doutorado, que incluiu tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos, foi fundamental para entender parte dessa nova geração de estudantes que, muitas vezes, são os primeiros de suas famílias a encararem os desafios do acesso ao ensino superior. Nesta etapa, realizada em 2018, Adriano utilizou questionários e entrevistas com 20 estudantes de cursos pré-vestibulares comunitários do Distrito Federal para compreender quem são esses jovens, suas perspectivas, os esforços que eles têm feito na transição entre escola e faculdade e quais são os custos pessoais, econômicos e sociais dessa transição.O pesquisador se deparou com a “lógica da viração”, intensificada pela crise econômica e seus impactos sobre oaumento da informalidade no mercado de trabalhoe sobre a consequente deterioração da noção de carreira desde 2015. A tese aponta que os jovens que hoje pretendem ingressar na graduação por vezes têm o compromisso de exercer alguma atividade remunerada e contribuir com o sustento da família, o que leva a escolhas pragmáticas ligadas mais às oportunidades disponíveis do que a aspectos vocacionais. Adriano destaca ainda que o contato com os estudantes foi uma forma de sensibilizá-lo para as desigualdades que ele se propôs a discutir na parte quantitativa da tese: “Quando a gente trabalha com dados, números, é muito fácil cair na armadilha de reificá-los, esquecer que, por trás daquelas estatísticas todas, há sujeitos, histórias, frustrações, expectativas, perspectivas. Nesse sentido, entrevistar os jovens foi uma maneira de recordar diariamente o que está por trás daqueles números e conhecer uma Brasília que eu não conhecia”.Saiba mais:Prêmio CAPES de Tese 2022Instituído em 2005, o Prêmio Capes de Teses é concedido anualmente às melhores teses de doutorado defendidas e aprovadas nos cursos de pós-graduação reconhecidos pelo MEC. Desde 2012, a FCC soma esforços com a Capes na valorização de pesquisas em educação, oferecendo um prêmio adicional às teses das áreas de Educação e Ensino, vencedoras nas categorias de Melhor Tese e Menção Honrosa.O acesso, ao inverso: desigualdades à sombra da expansão do ensino superior brasileiro, 1991-2020Autor da tese:Adriano Souza SenkevicsInstituição:Universidade de São Paulo (USP). Programa de Pós-Graduação em EducaçãoOrientadora:Marilia Pinto de Carvalho 
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