Mercado de trabalho de professores durante a pandemia no Brasil: tendências e movimentações de empregos
- Neste estudo, as bases de dados do Novo Caged – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e da Rais – Relação Anual de Informações Sociais foram utilizadas para avaliar o comportamento do emprego de professores(as) do ensino fundamental (EF) brasileiro durante o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021.
- A pesquisa indica que houve queda na quantidade de empregos formais de professores(as) de abril a dezembro de 2020, encerrando o ano com saldo negativo de -1.357 empregos.
- O número de desligamentos por mortes de docentes aumentou quase 100% no primeiro trimestre de 2021 comparado ao primeiro trimestre de 2020, potencialmente devido a mortes por covid-19.
- A tendência de queda de empregos no setor foi revertida ao longo do primeiro semestre de 2021, que se encerrou com saldo positivo de mais de oito mil empregos para professores(as) do EF.
O mercado de trabalho
Durante a crise sanitária causada pela pandemia de covid-19, houve o fechamento de mais de 1,5 milhão de empregos no Brasil, entre marco e maio de 2020, segundo dados do Novo Caged¹ do Ministério da Economia. Uma lenta recuperação teve início a partir de julho de 2020, mas, até dezembro, a tendência de retomada dos postos de trabalho não havia revertido totalmente a perda anterior.
O setor econômico mais afetado foi o de Serviços, no qual estão inseridas as atividades educacionais. Diante das restrições de convívio social impostas pela pandemia, os empregos docentes sofreram com a paralisação de atividades presenciais nas escolas e com a necessidade de expansão do trabalho virtual.
O objetivo da pesquisa é compreender como se comportou o emprego de professores(as) do ensino fundamental no Brasil durante 2020 e o primeiro semestre de 2021, a partir das flutuações mês a mês e de algumas variáveis como perfil demográfico, função ou ocupação, região geográfica e tamanho do estabelecimento escolar, de forma a tecer um panorama do mercado de trabalho durante a pandemia².
Movimentações de empregos docentes na pandemia
Nos três primeiros meses de 2020, a movimentação de empregos de professores(as) do ensino fundamental aumentou, com mais admissões do que desligamentos, especialmente em fevereiro – mês de início das aulas na grande maioria das escolas do país. A partir de abril, o saldo passou a ser negativo, com perdas sucessivas de empregos e, apesar de desacelerar a partir de julho, a queda nos postos de trabalho continuou durante todo o segundo semestre de 2020. Os professores do EF contratados pela CLT no ensino privado e público encerraram 2020 com um saldo negativo de -1.357 empregos formais.
A perda de empregos não foi homogênea e variou de acordo com o perfil demográfico, a função ou ocupação docente e o tamanho do estabelecimento de educação.
Perfil demográfico
De modo geral, em 2020, houve diferenças relacionadas ao sexo dos docentes no saldo de empregos desses profissionais³. Enquanto professores do sexo masculino encerraram o ano com saldo positivo de 1.495 vagas, professoras perderam 2.852 postos de trabalho. No entanto, é importante destacar que a categoria é majoritariamente feminina e, por isso, a maior rotatividade aconteceu entre as professoras.
Há diferenças relacionadas à cor/raça, assim como à faixa etária. As perdas foram mais acentuadas para professores(as) da cor/raça branca (que são a maioria) e para aqueles(as) de idade mais avançada. Docentes acima de 46 anos perderam mais de 5.500 postos de trabalho, enquanto professores(as) de até́ 35 anos tiveram saldo positivo de mais de cinco mil empregos, principalmente os com até 25 anos. Apesar de perdas ligadas à aposentadoria ou morte serem mais comuns em grupos de profissionais mais maduros, esses casos foram pouco relevantes quando comparados às demais causas de desligamento.
Ocupações ou funções
Em relação à ocupação ou função, dois grupos tiveram mais admissões do que desligamentos: professores(as) de educação especial (saldo de +20) e professores(as) da 5ª à 8ª série do ensino fundamental (saldo de +679).
As disciplinas que impulsionaram as contratações foram Matemática, Língua Estrangeira, Educação Artística, Língua Portuguesa, História, Geografia e Ciências Exatas e Naturais. A grande maioria dos profissionais docentes de outras modalidades, contudo, enfrentou mais desligamentos do que admissões. Professores(as) de Educação Física foram especialmente prejudicados e encerraram o ano com saldo negativo de 720 empregos, o que reflete a dificuldade de propor e realizar atividades físicas alternativas às práticas usualmente realizadas nas escolas.
Em épocas de crise econômica, a seletividade do mercado de trabalho aumenta e profissionais com menor nível de escolaridade tendem a ser dispensados. No EF, a situação não foi diferente: professores(as) com formação em nível médio e professores(as) leigos(as) (que não possuem habilitação pedagógica) tiveram os maiores saldos negativos do ano.
Regiões geográficas
A perda de postos de trabalhos também apresentou diferenças entre as regiões brasileiras, com mais empregos perdidos na região Sudeste, seguida das regiões Sul e Nordeste. A região Centro-Oeste foi a única com saldo positivo de empregos.
Tamanho do estabelecimento escolar
Professores(as) que trabalham em estabelecimentos escolares de pequeno e médio porte, aqueles com menos de 250 funcionários, foram prejudicados(as) durante o primeiro ano de pandemia. A perda de postos de trabalhos nesses estabelecimentos ultrapassou 2.500 vagas. Já́ nas escolas de grande porte, com mais de 500 empregados, a queda no número de empregos foi menor, provavelmente devido à maior estabilidade financeira e de gestão para manutenção dos vínculos empregatícios.
Retomada das admissões em 2021
A tendência de redução de empregos observada em 2020 foi revertida nos três primeiros meses de 2021. O primeiro trimestre fechou com saldo positivo em mais de oito mil vagas (8.922), principalmente devido às admissões em fevereiro (5.803).
O aumento nas admissões continuou até maio e, ao fim do primeiro semestre de 2021, os maiores saldos positivos ocorreram entre professores(as) de 1ª a 4ª série (+3.878), de 5ª a 8ª série (+3.405) e professores(as) com formação em nível médio (+1.226). Assim como no ano anterior, as admissões foram mais frequentes entre mulheres, docentes da cor branca e jovens (de 26 a 45 anos). Professores(as) com 56 anos ou mais mantiveram a tendência de perda de empregos durante todo o semestre.
A retomada acompanha o início da vacinação contra covid-19 no país, mas é marcada por desigualdades regionais e em diferentes instâncias administrativas. As aulas presenciais, muitas vezes ainda combinadas com modelos remotos, foram efetivadas em agosto, o que indica que as contratações do primeiro semestre ainda ocorreram no contexto de continuidade de aulas por meios digitais.
Entre as diferentes regiões do país, a recuperação de empregos até́ junho de 2021 foi maior onde houve mais perdas no ano anterior: Sudeste, Sul e Nordeste, respectivamente.
O mesmo padrão foi observado em relação ao tamanho dos estabelecimentos. Aqueles estabelecimentos de pequeno porte, especialmente os que tem até́ 49 empregados, foram os que mais contrataram em 2021, com mais de 3.800 novas vagas.
A covid-19 e os desligamentos por morte
Para avaliar o impacto da covid-19 entre professores(as), a pesquisa utilizou o indicador “desligamentos por morte” como aproximação do número de mortes causadas pelo vírus SARS-CoV-2⁴. Os dados foram comparados entre o primeiro trimestre de 2021 e o primeiro trimestre de 2020, pois no primeiro trimestre de 2020 o número de mortes ainda não havia sofrido influência da pandemia e pode representar as condições normais desse tipo de desligamento.
Os resultados indicam que, apesar de os registros de desligamento por morte serem pouco expressivos quando comparados a outros tipos de desligamento, eles praticamente dobraram de janeiro a marco de 2021 (0,8% do total), em relação ao mesmo período de 2020 (0,3% do total).
Professores(as) do ensino médio e do agrupamento educação infantil, pré-escola e ensino fundamental foram mais afetados(as), com aumento de 126% e 104%, respectivamente, no número de desligamentos por morte. Na sequência, encontram-se professores(as) de ensino técnico e tecnológico (100%), ensino superior (94%) e outras atividades de ensino (90%).
Próximos passos
O acompanhamento da flutuação dos empregos dos(as) professores(as) do ensino fundamental continuará até fins de 2021. Concomitantemente, análises de surveys realizados por distintas instituições junto aos professores em 2020 terão suas conclusões consolidadas, no sentido de trazer a público as percepções sobre as transformações causadas pela crise sanitária no seu trabalho docente cotidiano.
Estudo: Trabalho, práticas docentes e representações sociais
Pesquisa: Análise e caracterização da movimentação dos empregos para professores da educação básica – ensino fundamental 2020/2021
Período: 2020 a 2021
Coordenação: Maria Rosa Lombardi
Assistente de pesquisa: Renata A. de Sousa
Estatística: Miriam Bizzocchi
Projeto temático: Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras(es) da educação básica
Fundação Carlos Chagas | Departamento de Pesquisas Educacionais
Coordenação Projeto Temático: Lúcia Villas Bôas e Sandra Unbehaum
Produção editorial e projeto gráfico: Luanne Caires, Graciele Almeida de Oliveira, Pedro Penafiel e Mario Luiz Veiga Pirani
Revisão: Adélia M. Mariano Ferreira
¹ Desde janeiro de 2020, o uso do sistema do Caged foi substituído pelo Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) para parte das empresas. Apenas órgãos públicos e organizações internacionais que empregam celetistas permanecem obrigados a enviar informações pelo Caged. A maior parte das empresas é obrigada a declarar o eSocial, mas muitas deixaram de inserir informações sobre desligamentos. Assim, a imputação de dados para as estatísticas do emprego formal durante o período de transição entre sistemas vem sendo feita a partir de outras fontes. O Novo Caged é composto por informações captadas dos sistemas eSocial, Caged e Empregador Web. A Rais, instrumento de coleta de dados para controle da atividade trabalhista no país e elaboração de estatísticas do trabalho, também foi substituída pelo eSocial. Fonte: Ministério da Economia. Sumário Executivo “NOVO CAGED: Estatísticas Mensais do Emprego Formal”, referente a novembro de 2020. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/trabalho/dezembro/novo-caged-saldo-do-emprego-formal-tem-o-melhor-mes-da-historia/SumrioExecutivo_Novembrode2020.pdf.
² Para comparação com anos anteriores, foram utilizadas estatísticas do antigo Caged referentes às admissões e aos desligamentos em 2018 e 2019, antes da incorporação do Caged ao sistema eSocial.
³ Os resultados são apresentados em números absolutos, e não proporcionais, para cada categoria.
⁴ Análises com aproximação semelhante foram realizadas pelo Dieese: Boletim Trabalho em Pauta, n. 21, jun. 2021.